quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Tribunal dos Nadas




- Eu não sei fazer mais nada.
- Como?!
- A única coisa que sempre fiz foi tratar dos meus filhos.
Tinha vinte e sete anos. Um número ímpar que lhe dizia tanto como uma vida inteira que se resumia a um Curriculum Vitae de frustração. Nem uma oportunidade. Susana saiu de mais uma entrevista de emprego, que lhe tinham arranjada, sem esperança nenhuma. Desceu pelas escadas, sentindo aquele cheiro estranho a velho entranhado nas paredes. Não aguentaria três andares num elevador com dois metros quadrados. Abeirou-se da estrada, sentou-se no passeio. Imaginou o resto da sua vida como uma inexistência plena de nada.
Vivera na capital. Arredores, num cubículo arranjado pelo homem que tomou conta dela. Como não tinha família e conhecera aquele homem aparentemente seguro de si e do seu interesse, ela apaixonou-se. Mais velho trinta anos, coisa que nem imaginou ser importante. Tendo ela vinte anos na altura que o conheceu, suspirou num porto seguro que a protegesse, sonhou que a amasse, a fizesse feliz e assim constituiriam família.
Assim foi. Susana engravidou algum tempo depois de começar um relacionamento com ele. Foi uma felicidade verdadeira. Ele sustentava-a. Entretanto, ela conseguira encontrar um trabalho a lavar e limpar as zonas partilhadas de um prédio: escadas, sótão, sala de reuniões, elevador, etc.
Quando teve o filho, deixou de trabalhar, dedicando-se exclusivamente ao menino. Chamou-lhe Simão. O pai do rapaz aparecia cada vez menos, desculpando-se sempre com o trabalho. Um dia, estando ela já tão estoirada por não conseguir dormir, pois o miúdo não lhe dava uma noite descansada, pressionou aquele a quem chamava de marido, um companheiro meio ausente meio presente e perguntou-lhe, encarando-o:
- Tens outra?
Ele baixou a cabeça. Não disse nada. Sentou-se na beira da cama. Ela abanou-o compulsivamente.
Então, ele resolveu contar-lhe:
- Sempre tive outra família, mas quando te conheci não consegui resistir aos teus encantos.
Susana chorava compulsivamente. Simão berrava no berço. O seu pai pegou nele ao colo, beijou-o, colocou-lhe a chupeta e ele acalmou. O som do silêncio também ajudou Susana a raciocinar.
- Quando esperavas dizer-me?
- Não sei. Quando engravidaste, pensei em dizer-te logo, mas depois, estavas… estávamos tão felizes, que não queria acabar com esta emoção.
- Tens outra família mesmo?
- Tenho.
Receando perder a (in)dependência, acabou por aceitar viver assim desde que ele nunca lhe falasse da outra família. Viveria assim na ilusão de felicidade, embora, na ausência dele, chorasse incessantemente em silêncio.
Teve mais duas filhas.
Cinco anos depois, tendo ela vinte e cinco anos, ele faleceu. Ficou viúva sem alguma vez ter casado como o seu sonho de infância. Ficou viúva sem ter tido um marido. Ficou viúva e não poderia recorrer a nada, sem herdar nada.
Sem dinheiro para a renda e não tendo como sustentar três crianças, foi levada para um lar no Norte do país. Um lar onde acolhiam mães com as suas crias e ajudavam-nas a sobreviver.
Na verdade, ela sentiu-se bem naquele espaço asseado e acolhedor. Pensava muito no conforto que os seus filhos tinham ali, senão estariam na rua a apanhar frio.
Matriculou-os num Jardim de infância IPSS que trabalhava em concordância com o Lar onde residia, assim como o orfanato das crianças, tendo assim todas as condições para ir procurar trabalho. O Simão já tinha quase cinco anos.
Viviam na grande cidade do Porto.
A relação da Susana com as Educadoras de Infância era muito saudável e positiva, pois Susana estava sempre preocupada com o bem-estar das crianças.
Tinha uma excelente relação com os seus filhos. Havia muito carinho naquela família. Eram muito afáveis.
Susana passava o dia a procurar emprego. Ela não se importaria de fazer o que quer que fosse, pois tinha-lhe sido dito que a sua estadia no lar era temporária. Então, teria que arranjar uma casa urgentemente e um emprego para sustentar todas as despesas.
Susana procurava emprego, qualquer trabalho incansavelmente. Todos os dias à noite, chorava devido aos calos nos pés por tanto percorrer a cidade a pé, mas principalmente por não ter saída.
Contou a sua história à Educadora de Infância do seu filho mais velho, que a informou que o seu filho iria para a escola (1º Ciclo – Ensino Básico), pois estava quase com seis anos. Recearam ambas pelo futuro de uma criança que tinha tantas capacidades, mas que estava em risco. Os mais pequenos nem se apercebiam da realidade. O menino lia os olhares das suas referências.
Alguns meses depois, a Susana já tinha arranjado casa para alugar com o dinheiro de algumas horas que conseguiu a trabalhar na limpeza de casas de particulares. Estava mais animada. Ainda tinha um longo caminho a percorrer, mas o risco de ser expulsa do Lar já seria menor. A situação parecia controlar-se com ajuda exterior para alimentação.
Preparava-se para se mudar. Não tinha emprego.
Estando já o Simão na escola, orgulhosamente no primeiro ano, a aprender a desenhar as vogais, a lê-las e a cantar os ditongos, a correr e a brincar com os colegas, aconteceu o que mais se temera.
Susana foi chamada a tribunal para ser informada de que os filhos lhe seriam retirados e, nesse mesmo dia, ela deveria deixar o Lar, pois era só destinado a mães com filhos.
Foi a polícia primeiro buscar o Simão à escola, sem lhe explicar nada. A única reação do menino foi chorar sem saber o que lhe estava a acontecer. Seguidamente, foram ao Jardim de Infância buscar as duas meninas. Quando ele as viu, acalmou-se, mas ficou sem saber entender. Foram levados para um orfanato em S. João da Madeira, quando no Porto havia muitos e ficariam mais próximos da mãe. Susana nem teve tempo de se despedir. Quando chegou à escola e ao Jardim para se despedir, eles já tinham sido levados.
Recolheram os poucos pertences daquela mãe em sacos de plástico. Não teve direito nem a mais uma única dormida sequer.
Mas, o tribunal assim decidiu. As únicas referências que aquelas crianças tinham eram as pessoas da escola, a mãe e do lugar onde viviam. Foi-se-lhes retirado tudo.
Imagino que o Simão não deve ter cantado mais os ditongos durante muito tempo.
Só imagino, pois não sabemos mesmo o que lhes aconteceu.
Parece-me que aquela mãe, não tendo ninguém no Porto… acredito que deve ter sido acolhida por uma ponte qualquer…

(Baseado em factos reais.)

Eli Rodrigues

5 comentários:

Brown Eyes disse...

Eli uma vida dura de alguém que merecia mais mas nem sempre temos o que merecemos. Excelente e dura. Beijinhos

Graça Pereira disse...

Uma história que me emocionou por saber de tantas tão parecidas...Aonde ficará o amor no meio de tudo isto?
Às vezes, são as instituições que criam problemas destes, pela secura dos números, do ter...e despojam tudo e todos como se fossem sacos do lixo.
Beijo
Graça

Diogo Canudo disse...

Gostei imenso das suas palavras. Super envolventes e identifiquei-me imenso. Continue a escrever. Comecei a segui-la.

Se quiser também seguir o meu espaço, aqui fica: http://abimopectoredc.blogspot.pt/

Cumprimentos!

PEQUENOS DELITOS RENOVADOS disse...

Li.... reli.
Triste história, fantasticamente bem contada.
Vejo que a postagem é antiga e gostaria que novas postagens fossem feitas!!!!
Gostei muito da tua forma de escrever.

Augusto Torres - no youtube tudos dias e desempregado tudos dias disse...


E putugal que do que? E o mesma merda e pior povo no mundo! E verdade e verdade amigos! Ler meu blog pa mais informaciao, obrigado amigos meus (L)(L)(L)

Abaixo o merda do putugal, o PIOR merda no mundo! Até os macacos não respeitam putugal. Putugal o nova provincia Espanhola proximamente :)

Ahhhh putugal, putugal, putugal! Sempre, sempre, sempre chorando e chorando e chorando e chorando por tudo, sempre! Tudo mundo sabe que putugal e o pior merda no mundo, tudos! E mais na palavra “luso’ e uma invencao! Tudo nossa historia e fenotipo e Cigano e Arabe. Nao somos lusos. E mais, e melhor que tudo putugal sei uma provincia do Espanha e pronto! E nao trabalhos, sempre ficar nas sopas dos pobres tudos dias. Putugal e em estado do merda e nao fix. E verdade e verdade amigos. Esperamos que um tipo de mudança positiva aconteça em Putugal, pois mais de 50% da população, por necessidade, tem que ir às sopas dos pobres para comer. E também, uma melhora no crescimento dos empregos, já que eles estão no país. Por esta razão, muitas pessoas já vão para suas ex-colônias para buscar uma vida melhor e não retornam. Putugal está realmente atolado na merda e ninguém quer fazer nada sobre o assunto. Eles preferem viver em mentiras, o que é isso?
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